segunda-feira, 14 de maio de 2012

Milve Peria

EDIÇÃO COMEMORATIVA – n.º 50 – Jubileu de Ouro.

  Para celebrar o Jubileu de Ouro, apresentamos a entrevista com uma personalidade única: Milve Antônio Peria. Advogado, formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP, onde foi colega do Vice-presidente da República Michel Temer. Hoje, Milve é coordenador da Comissão de Ética e Disciplina da OAB de Taquaritinga; antes, desenvolveu prodigiosa carreira no Banco do Brasil, que incluiu a participação na preparação dos futuros funcionários do Banco Central. É autor de livros de Comércio Internacional; publicou uma obra sobre a igreja Matriz de São Sebastião e mantém o site www.nossataquaritinga.com.br, excelente fonte de informação.
Foi professor universitário na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade São Judas Tadeu e Faculdades Tibiriçá (em São Paulo), e lecionou tele-aulas na TV Cultura. Já aposentado, ingressou na primeira turma de Processamento de Dados da nossa FATEC – não concluiu o curso, mas deixou sua marca ao fundar o Centro Acadêmico e lançar o primeiro jornal universitário da cidade. Escritor, professor, historiador – um conhecimento incomum de economia, mercados, câmbio, comércio exterior. Com a cordialidade que lhe é peculiar, se dispôs a falar de economia, OAB, Taquaritinga e de sua contribuição na criação do Banco Central do Brasil.


TM: Explique-nos como foi sua participação na criação do Banco Central ?

Milve Peria: Os anos de 1955, 56, 57 foram, por mim, dedicados a estudos intensos, me preparava, primeiramente, para o concurso do Banco do Brasil e, em seguida, para o vestibular. Em 1957, ingressei no Banco do Brasil e comecei o cursinho no Curso Preparatório dos Professores Castelões e Tolosa, na rua São Bento, no centro de São Paulo. Em 1959, ingressei na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP. À época, o Banco do Brasil mantinha cursos internos para seus funcionários; me interessei em participar, pois já tinha informações de que, a qualquer momento, a instituição deixaria de executar as funções típicas de governo. E isso veio a ocorrer no último dia de 1964, com a criação do Banco Central, pela promulgação da Lei n.º 4.595, de 31.12.1964 – o BC foi sendo, paulatinamente, implantado. As funções de “autoridade monetária”, que eram executadas pelo BB, foram progressivamente transferidas para o BC. O Banco do Brasil, consequentemente, passou a executar operações típicas de um banco comercial e teve que se estruturar, preparando seu quadro de funcionários para as novas funções. Para ministrar os cursos, o Banco, primeiramente, preparou uma equipe de monitores, cada qual numa área específica. Fui selecionado para a equipe de Câmbio e Comércio Exterior, visto que já atuava no setor. Como monitor, tive a oportunidade de ministrar cursos pelas agências do Banco, desde Manaus até Porto Alegre. Na sede, em Brasília, fiz diversos estágios, durante vários anos, sempre visando o aprimoramento dos funcionários. Portanto, não participei diretamente da criação do Banco Central; participei, sim, da preparação dos funcionários do Banco do Brasil para executar as novas tarefas. Em função dessa atuação como monitor de cursos no BB, fui convidado a ministrar aulas na área de Comércio Exterior nos cursos de Graduação nas Faculdades Tibiriçá e na Universidade São Judas Tadeu; e de Especialização na Fundação Getúlio Vargas e na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP – e até num curso televisivo da TV Cultura. Isso me proporcionou a oportunidade de editar dois livros: “Câmbio, Conhecimentos Gerais” e “Prática de Importação”, pela Editora Aduaneira, de São Paulo. Foram experiências maravilhosas!

TM: O senhor foi contemporâneo do Vice-presidente da República, Michel Temer, na Faculdade de Direito da USP, tendo, inclusive, travado uma “disputa eleitoral” no âmbito do Centro Acadêmico “XI de agosto”. Fale-nos um pouco dessa história.

Milve: Os anos 60 foram agitados, renovadores, polêmicos, contestatórios. Em todos os ramos das atividades humanas ocorreram grandes inovações. Já nos anos 50, o Brasil passava por um processo inflacionário galopante; o governo de JK concentrou-se na construção da Capital Federal – Brasília. Em janeiro de 1961, Jânio Quadros tomou posse na presidência da República, mas logo, em agosto, renunciou. Para contornar essa crise política, foi instituído o Parlamentarismo; Jango assumiu a Presidência e Tancredo Neves foi escolhido pelo Congresso Nacional para Primeiro Ministro. No plano político, ocorreram greves, paralisações. Fiz essa introdução para nos situarmos no tempo. No final dos anos 50, mais precisamente, 1957, 58, fiz cursinho para a Faculdade de Direito. Em 1959, ingressei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. À época, o Centro Acadêmico “XI de Agosto” era atuante, principalmente, na política partidária, onde se concentravam adeptos das diversas correntes políticas. No chamado “Território Livre” da Faculdade, memoráveis debates e embates ali se realizaram. Os estudantes se aglutinavam, basicamente, em dois partidos políticos internos: o Renovador e o Independente. As disputas ganhavam um colorido todo especial durante a fase pré-eleitoral, com verdadeiros comícios, onde cada partido levava personalidades para debaterem temas do momento. Nas eleições do Centro Acadêmico de 1959, aconteceu um fato marcante na minha vida acadêmica: o candidato a presidente era escolhido entre os alunos do 4.º ano, portanto, o eleito exerceria o mandato quando estivesse no 5.º e último ano. E, assim, sucessivamente, para os outros cargos: ao primeiro ano, ficava reservado o cargo de 2.º tesoureiro. Me filiei ao Partido Renovador e os colegas me escolheram para compor a chapa como 2.º tesoureiro. O adversário, o Partido Independente, tinha, também, que escolher o candidato a 2.º tesoureiro. Aqui é que vem o mais interessante: quem foi o meu adversário? Pois é, o Vice-presidente da República, Dr. Michel Temer. O Partido Independente venceu as eleições. Já naquela época, Dr. Michel Temer era um habilidoso e competente político – desde os bancos acadêmicos, foi e é, politicamente, um vencedor. Sucesso para o meu colega de cursinho e, depois, de academia, Dr. Michel!

TM: Qual sua análise sobre a situação socioeconômica brasileira? Estamos no caminho certo ou há riscos?

Milve: Estou – e sou – otimista com o nosso País. O Brasil tem tudo para resolver seus problemas internos e ser um grande líder mundial; tem grande território, totalmente aproveitável; não está sujeito a desastres naturais graves; vive em paz não só internamente, mas também com o resto do mundo. Vejo no Brasil dois grandes obstáculos a serem vencidos: Educação e corrupção. Quando resolvermos o problema da Educação, os demais serão eliminados. A Educação é a base do progresso, do desenvolvimento de um povo. À pergunta que me é feita, se estamos no caminho certo, respondo: sob o aspecto econômico, a inflação, que sempre foi um grave problema, principalmente para a classe mais necessitada, está sob controle pelas autoridades monetárias, isto é, está havendo estabilidade econômica. A agricultura tem sido, nestes últimos anos, o sustentáculo do País, visto que a indústria vem sofrendo com o câmbio (o Real) valorizado; e, de outro lado, a concorrência dos produtos industrializados vindos, principalmente, da China. Sob o aspecto da dívida externa, o Brasil apresenta uma situação confortável. Vislumbro ótimas perspectivas para nosso País.

TM: Como funciona a Comissão de Ética e Disciplina da Subseção da OAB sob sua coordenação?

Milve: A Comissão de Ética e Disciplina está diretamente ligada ao Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Seccional da OAB/SP. O objetivo do TED é defender a Advocacia. Com isenção, julga colegas-advogados em eventuais faltas éticas que venham a ser acusados, garantindo a ampla defesa e o contraditório, punindo quem precisa ser punido e inocentando quem deve ser inocentado. O TED é um eficaz instrumento de depuração da ética desejável para a classe, na medida em que tem a missão de punir – e até excluir dos quadros da Ordem – o profissional de má conduta. O TED é dividido em Turmas; a Subseção de Taquaritinga está subordinada à 8.ª Turma, com sede em Araraquara, e sob sua jurisdição estão 12 Subseções. Portanto, a Comissão tem sua atuação no recebimento, processamento e execução inicial das representações originárias de fatos ocorridos em seu território, ainda que o advogado esteja inscrito em outra Subseção. O julgamento cabe ao Tribunal de Ética da 8.ª Turma, que jurisdiciona a nossa Subseção.

TM: O que nossa igreja Matriz de São Sebastião tem de especial?

Milve: A Igreja Matriz se constitui num “cartão de visitas” da nossa cidade; é um patrimônio histórico-cultural. Nós, que frequentamos regularmente nossa Matriz, não nos damos conta da beleza que está ali. Mas, o visitante que entra, pela primeira vez, interior fica extasiado. Sua escadaria imponente; sua porta principal, toda entalhada com motivos sacros... A surpresa maior está reservada para quando adentra pela sua nave; surpreende-se com a beleza e a majestade de seu interior: a imponência das colunas, complementada pela galeria de pinturas que emolduram a parte interna, com suas figuras que parecem reais. O interior está sempre refletindo uma luminosidade natural, graças à forma como estão colocados os vitrais, que permitem o reflexo da luz solar, iluminando toda a parte interna. É um conjunto de arte: luzes e cores, harmoniosamente distribuídas pela nave central. Gigantescas colunas suportam o teto, em forma de abóbadas com coberturas encurvadas, formando grandes arcos. Tudo isso é complementado pelas 10 imagens dos santos, no alto das colunas, e a imagem de São Sebastião, no seu nicho, sobre o altar-mor. Imagens que parecem estar dando a bênção aos fiéis que ali oram e cantam. A Matriz não ostenta suntuosidade; ali estão arte e bom gosto, ingredientes próprios para ornamentar uma Casa de Orações. Tudo o que ali está reflete a sensibilidade dos artistas, do arquiteto, do escultor, do entalhador e, sobretudo, do pintor – aliás, dos pintores, já que a galeria de 10 quadros foi pintada por um casal: o casal Mack (Américo e Eva), naturais da Hungria. Os 8 quadros que se encontram nas paredes da nave central, contam a história da vida de São Sebastião; os outros dois, na entrada das capelas destinadas à veneração do Sagrado Coração de Jesus (à esquerda) e à Virgem Maria (à direita), estão abençoando toda a comunidade, representada por homens, mulheres e crianças da nossa cidade que conviveram com os pintores, por ocasião de suas estadas em nossa cidade. O expectador, ao fixar seus olhos às figuras dispostas nos quadros, e, ao se movimentar dentro da nave, tem a sensação de que as figuras também se movimentam. Outra obra de arte são os 14 quadros que compõem a Via Sacra, esculturas de autoria do artesão Ricardo de Lucca. A pedra fundamental foi lançada a 16 de julho de 1925, porém, durante a crise financeira que se abateu sobre o País, resultante da queda do preço do café, em 1929, as obras ficaram paradas, só retomadas por volta dos anos 40, com a chegada dos padres de “batina branca”, liderados pelo Padre Clemente Baltus, da Congregação dos Sagrados Corações. Podemos dividir a construção da Matriz em 3 fases: a primeira, compreende a execução dos alicerces, com mais de um metro de largura, e o aterramento da parte interna, que ocorreu de 1925 até 1929; a segunda, compreende a retomada da construção, em 1940, com o levantamento de toda a estrutura física do prédio, executada sob o comando do Padre Clemente Baltus, até a sua remoção de nossa cidade, em 1948. A terceira, corresponde ao acabamento e à execução das obras de arte, comandada pelo Cônego Lourenço Cavallini.

TM: Num virtual verbete, de uma hipotética enciclopédia da História Universal, qual descrição de Taquaritinga o senhor gostaria de encontrar?

Milve: Já me manifestei que sou um otimista. E, com relação à nossa cidade, estou convicto que venceremos! Nossa cidade, sob o aspecto econômico, ainda depende da agricultura – citrus, goiaba, manga e, mais recentemente, da cana de açúcar. O comércio está dentro dos padrões para uma cidade de seu porte. O que nos falta são indústrias para absorver essa mão de obra excedente. Mas isso virá com o decorrer dos anos. Resumindo: estou otimista.

TM: Fale-nos um pouco sobre o site que o senhor mantém sobre a História de Taquaritinga.

Milve: Taquaritinga é carente de registros que conte sua história, não obstante ter sido palco de acontecimentos que merecem serem contados. Sempre me interessei por História e, depois que retornei à cidade, passei a pesquisar e escrever artigos, crônicas relacionados ao tema. A partir desses trabalhos, passei a colecionar material e publicar nesse site que, em pouco mais de 6 meses no ar, atingiu a marca dos 200 mil acessos. O conteúdo está subdividido em vários itens: - “História de Taquaritinga” que conta, cronologicamente, desde a fundação da cidade (1868) até nossos dias; - “Matriz de São Sebastião” onde se encontra reproduzido o livro que conta a história daquele monumento que é orgulho e cartão de visita de nossa cidade; - “Paróquia de São Sebastião” – conta a história da Paróquia, que se confunde com a história de Ribeirãozinho - Taquaritinga, pois, foi através da doação das terras a São Sebastião dos Coqueiros que deu origem a nossa cidade; - “Crônicas – Fatos Históricos” – onde constam mais de 60 crônicas, abordando diversos assuntos; - “Galeria de Fotos”, onde estão registradas mais de 600 fotos, retratando aspectos da cidade, a partir de 1920 e anos seguintes. O acervo fotográfico registra cerimônias cívicas, ruas da cidade, personagens e muito mais... O site está aberto a quem quiser escrever sobre assuntos históricos. Acesse: nossataquaritinga.com.br

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Kau Andrighetto

Entrevistamos Marco Antônio Salles Andrighetto, o Kau. Nasceu em Taquaritinga em 1970, filho do Marco Andrighetto e da Betí; irmão da Daniela e do Thiago; tio do Marcelinho e da Lívia; casado com a Marlene. Técnico em Contabilidade, formado pelo Colégio Dr. Aimone Salerno, exerce a profissão à frente da Organização Cônsul, um dos mais tradicionais escritórios de Contabilidade da cidade. Nos anos 1990, morou em São Paulo, Marília e São Carlos, onde cursou Computação na Universidade Federal – UFSCar. A música sempre fez parte de sua vida; a mãe, exímia pianista, foi grande incentivadora. Aprendeu tocar violão ainda menino e se apaixonou pela guitarra. Nos anos 1980, empunhou o instrumento em shows, bailes e festivais com o grupo de rock Decreto Lei, que se apresentou em várias cidades, inclusive São Paulo, e participou do CD “Rock Paulista”, produzido por Duda Neves. Deixou o conjunto e seguiu estudando, teve aulas com os mestres guitarristas Índio e Fernando Izé e, com a experiência adquirida, passou a compor (letra e música), sempre empenhado em apurar sua técnica. Mantém um pequeno estúdio em casa e, com recursos próprios, lançou seu CD, “Corectasia”, no qual se revela um artista talentoso. Uma conversa amigável sobre Contabilidade, música, matemática, rock’n roll, Decreto Lei – e sua obra “Corectasia”.

Tendência Municipal: O crescimento econômico faz com que a situação fiscal das empresas – desde a pequena firma individual até a grande indústria – seja cada vez mais importante, o que aumenta a responsabilidade do setor contábil. É isso mesmo?

Kau Andrighetto: É isso mesmo. O contador tem enorme responsabilidade no desenvolvimento econômico. Através da ética, seriedade, conhecimento e baseado na NBC (Normas Brasileira de Contabilidade) o profissional é capaz de identificar os problemas e oportunidades que encontram as empresas. Para o governo, então, é de suma importância, já que participa diretamente da arrecadação de tributos para a Federação, para os Estados e para os Municípios. O desenvolvimento social depende muito da atuação da nossa categoria. Quanto mais a economia avança, mais se exige do contador, daí a necessidade de estar sempre atento as mudanças fiscais, as leis, as necessidades dos empresários e sempre continuar o aprendizado através de cursos de atualização. Todos os setores produtivos: indústria, comércio, agricultura, prestação de serviços e até a administração pública são afetados pela atuação dos contabilistas. Pode-se se dizer que o desenvolvimento do país depende muito do nosso carimbo e assinatura.

TM: O que levou ao mundo da música?

Kau: O certo, analisando hoje, é o que “não” me levaria entrar no mundo da música, sendo tão estimulado como fui em casa. Eu e os meus irmãos sempre vivemos num ambiente musical. Minha mãe é pianista formada pelo conservatório Santa Cecília aqui de Taquaritinga, e pelos relatos de seus colegas e professores da época era prodígio, uma musicista nata. Crescemos dividindo seus cuidados maternais com as aulas ministradas por ela em nossa casa. Acho que nem é DNA, mas estímulo mesmo. Horas e horas de música clássica e escalas na fase mais cognitiva da infância. Acabou viciando essa pobre criança. (risos). A pena é que não aprendi o piano... Mas ela me ensinou a afinar o violão e me passou os primeiros acordes. Aos 8 anos tive aula com o meu querido Dedé Arlindo, que me ensinou várias músicas que lembro até hoje. Parei com as aulas porque era indisciplinado, aquela coisa do moleque que quer rua e bola, mas sempre tirava músicas e tocava nos encontros da família. Quando os amigos de escola começaram a tocar e formar um conjunto, me animei a aprofundar o conhecimento: era a Banda FraTNT, que depois virou o Decreto Lei.

TM: Na UFSCar, você cursou a área das ciências exatas – e os números estão presentes em seu trabalho cotidiano. Em relação à música, qual a importância da matemática?

Kau: Tem relação profunda. Música é basicamente matemática, física e sentimento. Quando estive em São Carlos, tive aula com um grande professor, o Fernando Izé, que me ensinou a matemática da música. Seu pai era professor e me deu aula de Geometria Analítica na Federal. As aulas do Fernando eram interpretações de equações e fórmulas matemáticas. Certo dia, as escalas, os campos harmônicos, as modulações , o material maravilhoso que ele me passou, fizeram sentido revelador, como uma “cartase”. Daí, construí minha visão matemática da música.

TM: Qual sua análise sobre a evolução do rock nacional, dos anos 1980 até os dias atuais?

Kau: Comecei ouvindo Raul Seixas, é claro. Depois os mais velhos nos apresentaram Mutantes, Casa das Máquinas, Made in Brazil... Os anos 1980 chegaram avassalador. Passei a transição criança-adolescente-adulto nos anos 80. O Rock tupiniquim mudou a minha vida , a minha geração e o Brasil. Depois disso, nós rockeiros radicais achávamos todo o resto uma porcaria (risos). Realmente, apareceu muita porcaria, mas tem muita gente boa nos anos 90, que também bebeu da água “oitentista”, como Chico Science, Rappa, Lenine, Zeca Baleiro entre outros. A nova geração do rock vem com um hardcore com letras românticas e tem feito muito sucesso com a molecada. Tem gente que “mete o pau”, mas eu prefiro que as porcarias que tocam irritantemente nas rádios.

TM: Como foi sua passagem pelo Decreto Lei?

Kau: O Decreto Lei foi um sonho de amigos de infância que estudaram junto desde o primário e durante a faculdade se desdobravam para ensaiar todo fim de semana, religiosamente. Fui co-fundador da base da banda. Saí, voltei, si de novo.. Foi uma mistura de sentimentos, alegrias e decepções. Sinto saudades enormes. Foram tempos de aprendizagem e minha perda da inocência., a diferença entre sonho e realidade. Ainda hoje, depois de 15 anos do fim da banda, sou lembrado como membro da banda, reconhecido num saudosismo impressionante. Foi a primeira banda de rock da cidade, numa época de pouco acesso a material de pesquisa. É incontável as vezes que ouço que o DL influenciou a vontade aprender um instrumento, montar uma banda e ouvir Rock and Roll. Sempre serei um integrante do Decreto. Ainda hoje me pedem para nos unirmos e fazermos um som. Tocamos em todo estado, gravamos o CD Rock Paulista com produção do Duda Neves, gravamos um CD independente em Campinas-SP, abrimos vários shows, ganhamos vários festivais de música. Quando acabou a banda, eu, o meu irmão Thiago, o Liminha e o Fernando Ponzio (Manaia) montamos o “Trevo da Eva”, que tinha o objetivo de fazer músicas próprias e versões novas de clássicos do rock/reagge/blues, sem o arquétipo de “cover”. Acreditava nisso no DL, no Trevo e ainda acredito. O Trevo da Eva não foi duradouro, mas é uma banda muito lembrada e influenciou muita gente. Foi de 1999 até 2003. Abrimos muitos shows de bandas ditas grandes e gravamos um CD com duas canções minhas, uma (Tempo Bom), com novo arranjo, está no CD Corectasia e outra (Partido), provavelmente estará no próximo CD.

TM: Fale-nos do seu CD Corectasia.

Kau: O CD Corectasia é um filho. Daqueles que tem defeitos, erros, coisas engraçadas, surpresas inusitadas, acertos. Surgiu de todo aprendizado que tive na música, desse caminho percorrido. É um resumo das composições de todo esse tempo, das minhas experiências. Como ninguém aposta em músicas próprias (melhor é tocar músicas consagradas) e não encontrei ninguém que topasse fazer música, me fechei no home Studio que montei na minha casa e a duras penas terminei o CD. Compus todas as canções. Letra e música. Fiz os arranjos, executei todos os instrumentos, cantei. Gravei, mixei, fiz o layout final. Meu irmão tocou contra-baixo em duas faixas e a Lavínia Louzada Bassoli, filha de meu grande amigo Luisinho Bassoli, cantou uma música infantil. Fui atrás de patrocínio, enchi o saco de amigos pacientes e talentosos para me ajudarem na arte do disco. A regra foi que não existem regras. Das quase 50 músicas que tenho compostas, selecionei 16. Me afastei do meu trabalho para concluir a obra. Saiu e fiquei contente com o resultado. Tenho ainda a esperança de encontrar músicos que topem e encarem o desafio de criar, de dar outra visão a essas músicas que estão no CD Corectasia. Ali está minha visão, minha leitura. Sem dúvida, uma banda daria uma roupagem mais democrática aos arranjos, opiniões novas e bem vindas. Tenho quase um Cd novo pronto, faltam poucos detalhes. Quero parceiros, novas idéias, conhece outros compositores, sempre estou a disposição, mas me sinto sozinho. Compartilhar o tal sentimento matemático da música. Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade. Nunca se vence uma guerra lutando sozinho, já dizia o mestre Raulzito.