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O entrevistado desta edição é o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Dimas Eduardo Ramalho. Taquaritinguense, filho do saudoso Doutor Horácio Ramalho (célebre advogado, professor e político) e da Professora Jerssey De Paula Ferreira Ramalho. Casado com a Andrea, pai do Horácio Neto e do Marcelo.
Talentoso jogador de futebol e atleta profissional do CAT, na juventude foi líder estudantil, presidente do LEMA (Liga Estudantina Machado de Assis) na Escola Nove de Julho. Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP, presidiu o Centro Acadêmico 11 de Agosto e lutou pela Redemocratização e Anistia no Brasil.
Após a universidade, ingressou por concurso público na carreira de Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Professor titular da cadeira de Direito no Centro Universitário de Araraquara (UNIARA), foi vice-presidente da Nossa Caixa, Secretário de Estado da Habitação, e Secretário de Serviços de São Paulo.
Em 1990, pelo PMDB, estreou na carreira política e dois anos depois, em 1992, assumiu seu primeiro mandato, como deputado estadual na Assembleia Legislativa e depois foi reeleito por duas vezes.
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Pelo PPS, foi eleito deputado federal, em 2002, e reeleito para a Câmara dos Deputados nos anos de 2006 e 2010. Em 2012, foi eleito por unanimidade pela Assembleia Legislativa, para exercer o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo. |
Tendência Municipal: Você começou no movimento estudantil em Taquaritinga, na Escola Nove de Julho, e, mais tarde, na Faculdade de Direito. Faça-nos um resumo dessa época.
Tive uma grande formação política em toda minha vida. Meu pai sempre discutiu muita política em casa. Quando garoto, eu acompanhava as eleições e todos os movimentos da política municipal. Tenho registros de eu estar participando de comícios em Taquaritinga, da altura da guarda da carroceria de caminhões.
Desde pequeno eu me interessei muito pela leitura. Meu pai era uma pessoa intelectual e me influenciou profundamente. Li tudo o que podia ser lido em Taquaritinga. Era uma alegria cada vez que chegava o Pasquim, a Realidade, vários textos que trocávamos e acompanhávamos. Foi uma formação muito importante.
Estudei minha vida toda em escola pública e em Taquaritinga era o Nove de Julho. A formação que tive se deve basicamente a duas coisas importantes, a duas janelas culturais que havia em Taquaritinga: a escola pública, que me ensinava português, literatura, história, geografia e exatas; e as notícias que os professores nos informavam. Tinha ainda o cinema, que era outra janela, e que trazia para a cidade o mundo, as histórias, o Canal 100 e outros.
O Nove de Julho sempre foi um palco importante de debates. Lá fui presidente da Liga Estudantina Machado de Assis (LEMA), que organizava apresentações de música, teatro, jornais e eventos culturais de um modo geral. A organização estudantil sempre foi uma característica de Taquaritinga. Primeiro foi AAT, depois UTE, e depois ATE. Era uma associação que unia os universitários e também chegou a reunir os secundaristas – os estudantes do colegial.
Posteriormente saí de Taquaritinga para estudar. Fui para São Paulo e fiz cursinho junto com diversos colegas aqui da cidade. Ingressei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, local onde meu pai havia estudado. Ali foi uma escola profunda de política. Fui representante de classe, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, e representante da Congregação dos Alunos.
Esse período coincidiu com uma transição entre uma Ditadura Militar e a retomada da Democracia. Presenciei fatos importantes e sabia que estava fazendo parte da história naquele momento. Participei do culto ecumênico em homenagem a memória de Vladimir Herzog, onde estavam presentes Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara, Henry Soebel, o Reverendo Wright, e muitos outros.
Também estive nas manifestações contra a morte de Alexandre Vanucci Leme, estudante que hoje empresta seu nome ao Diretório Central dos Estudantes da USP e presenciei a leitura da ‘Carta aos Brasileiros’, pelo professor Goffredo da Silva Telles Júnior. Desde o começo de minha vida acadêmica, fiz parte dos Comitês pela Anistia. Protestei quando do falecimento do Manoel Fiel Filho e, em seguida, do Herzog. Sobretudo eu vi que a ditadura só cairia se nos tivéssemos uma posição forte de engajamento. Eu tinha certeza que a partir daquele momento o Brasil estava mudando.
TM: É verdade que tinha (ainda tem?) habilidade com a bola nos pés? Em que posição jogava? Chegou a pensar em ser atleta profissional? E, não podia deixar de perguntar, qual seu time do coração?
Eu sempre pratiquei muitos esportes. Até hoje, por conta da formação que tive, não fumo e nem bebo. Tínhamos um professor de Educação Física que influenciou gerações. Francisco, o professor Chico, sempre dizia: “Não pode beber. Não pode fumar”. Lembro que ele até cheirava a nossa boca antes de sair para viajar em jogos nas outras cidades. Também pratiquei muito futebol de salão, vôlei, basquete, atletismo, mas o futebol era o meu forte.
Joguei em todas as equipes que você pode imaginar em Taquaritinga e, pela equipe da universidade, viajei o Brasil inteiro. Cheguei a jogar como profissional no Clube Atlético de Taquaritinga (CAT) – time do qual tive a honra de vestir a camisa em campo. Éramos uma equipe competitiva na época e tivemos boas performances. Até hoje muita gente que encontro em Taquaritinga me pergunta daquela época do CAT.
Eu acho que esporte é fundamental e aprendi muito na minha vida participando do futebol, além de ter feito grandes amizades. Poderia ter sido atleta profissional, mas escolhi outros caminhos. Meu coração? É verde.
TM: Sua irmã, a saudosa Margarida Ramalho, foi uma importante combatente na resistência à ditadura militar. Fale-nos um pouco dessa história de luta.
Nós tivemos uma família muito politizada – líamos, discutíamos e falávamos sobre tudo. Meu pai era um democrata e nos ensinava a ler. Era uma pessoa que defendia o Estado Democrático de Direito e essa influência foi passada para todos os irmãos. Evidentemente que eu fui o que me lancei profundamente na política partidária.
Minha irmã Margarida, que já faleceu, sempre teve uma postura também democrática – como todos os meus irmãos. Ela foi a responsável por trazer os restos mortais de um guerrilheiro de Taquaritinga que foi assassinado pelo regime militar: Francisco Penteado Filho, Chiquinho Penteado. Minha irmã foi uma das pessoas que foi atrás, localizou, conseguiu autorizações com a família e hoje, depois de muito trabalho, ele está em Taquaritinga.
Infelizmente, nós havíamos marcado de fazer uma homenagem para resgatar que Chiquinho Penteado finalmente estaria descansando na sua terra, mas Margarida faleceu antes desse episódio. Eu registrei em Brasília, como deputado federal, a trajetória do Chiquinho, porque tanto ele, quanto outros taquaritinguenses combateram muito pela democracia. Nossa cidade foi muito marcada por prisões e perseguições e muita gente me perguntava o que tinha em Taquaritinga. Eu diria que Taquaritinga tinha uma vida cultural e política em ebulição. Isso marcou profundamente várias gerações.
TM: A política taquaritinguense é, digamos, peculiar: todos os partidos já foram aliados e adversários, conforme o momento e/ou a situação. Como participar desse processo sem fazer “inimigos”?
A política é nacional, evidentemente, mas é local também. Taquaritinga não foge dessa discussão. Hoje muitas pessoas que estão aliadas na cidade, foram adversárias ontem, ou serão amanhã, ou não serão mais. Isso ocorre porque ainda não há, infelizmente, uma definição absolutamente ideológica dos campos partidários.
Há contradições em vários partidos, como há também situações de encontros de ideias e de avanços em alguns setores. Eu acho que não é só Taquaritinga que é peculiar. Em todos os municípios, os partidos já foram adversários e aliados, até porque a situação muda, a conjuntura muda. Os partidos que estiveram em campos opostos, hoje estão em campos de situação. E, amanhã, estarão novamente em campos opostos.
Eu que fiz a política real, pela experiência de mais de 20 anos, como deputado federal e estadual, secretário de Estado, líder de partido, e alguém que presenciou todos os grandes momentos políticos dos últimos 25 anos, percebo que Taquaritinga não foge à regra.
O importante é saber que o poder é transitório, se é que existe poder. Mas, o poder dado pelas urnas, que é o único que eu reconheço, é transitório, é fugaz. Você deve, ao assumir o poder, saber que existem minorias, pessoas que não votaram em você, e que elas devem ser respeitadas.
Você fazer uma articulação entre o Executivo e o Legislativo, respeitando o Judiciário, é fundamental. Essa é a visão democrática: de respeitar quem perdeu e de quem perdeu respeitar quem ganhou. É preciso saber que oposição é importante para uma cidade, para ajudar e fiscalizar o Executivo, para cobrar e acompanhar a aprovação de projetos. Essa convivência eu acho importante. Mais que isso, é fundamental.
TM: Qual a função do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado?
Um conselheiro do Tribunal de Contas fiscaliza todos os gastos públicos dos municípios e do Estado de São Paulo. Ele tem uma função extremamente importante. São sete conselheiros que fiscalizam e aprovam (ou não) as prestações de contas, fazem o controle externo da Assembleia Legislativa, do Poder Executivo e Judiciário, Ministério Público, e todos os órgãos, bem como das pessoas jurídicas que recebem recursos públicos. Além disso, estamos entrando em uma fase de controle da execução, com visita in loco dos contratos, evitando que se faça o mau gasto do dinheiro público.
Para exercer esta função, ser um bom Conselheiro e cuidar do combate à corrupção, é fundamental ter a experiência que tenho. Votei a favor da Lei de Acesso à Informação e da Lei da Ficha Limpa e, em plenário, defendi o Voto Aberto no Congresso Nacional. Enfim, vejo que essa carga política que eu trouxe da minha vida, estou colocando em prática no Tribunal.
TM: Qual a sua expectativa para o governo do prefeito eleito Fúlvio Zupani?
O que espero do prefeito eleito Fúlvio Zupani? Eu espero e torço para que ela faça um bom governo. Ele já participou de governos anteriores, é de uma família tradicional na cidade, conhece os nossos problemas e fez uma campanha em que venceu – uma demonstração inequívoca da vontade de mudança que a população demonstrou. E isso deve ser respeitado.
No que depender da minha sugestão e opinião, na forma da lei e dentro das limitações legais que o cargo que ocupo me impõe, eu estou à disposição – como sempre estive para colaborar com todas as administrações que o antecederam. Espero que consiga colocar em prática tudo o que prometeu em campanha e, sobretudo, que possa conviver democraticamente com as forças políticas da cidade, que em um determinado momento estão na situação e no momento seguinte na oposição, como já disse na pergunta anterior. Faço votos de que ele vá bem, que se transforme em um excelente prefeito, e que faça o melhor para a cidade.
TM: Para encerrar: cogita, algum dia, se candidatar a prefeito de Taquaritinga?
Eu, infelizmente, conforme falei outro dia, não me candidatei a prefeito de Taquaritinga. Eu cresci acompanhando as eleições de Taquaritinga a partir da minha casa, pelo meu pai. Evidentemente não posso nunca esquecer a influência que tive: o que via nos comícios do Dr. Adail Nunes da Silva, ‘o Negão’, que foi prefeito várias vezes, e de todos os prefeitos que, cada um a sua forma, fizeram o melhor para a cidade.
Pensei, quando criança, em um dia ser candidato a prefeito, ganhar a eleição e fazer um bom governo para a cidade. Fui estudar fora, me formei, virei promotor de justiça, deputado estadual e deputado federal – e, agora, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Não pude continuar trabalhando na cidade, embora tenha tido sempre uma relação profunda com a cidade. Relação que continuo tendo até hoje. No futuro, quem sabe?