Nosso entrevistado de hoje é o Tenente Coronel Aviador da Força Aérea Brasileira (FAB) Carlos Alberto Gonçalves, para os amigos de infância, simplesmente o Gordo. Paulistano de nascimento, veio à Taquaritinga por causa do pai, o Norberto, gerente geral da extinta Fábricas Peixe, por muitos anos a maior indústria da cidade. Filho da Dona Lalá, irmão do Beto (médico formado pela Escola Paulista de Medicina) e do Émerson, o Bú (advogado), tem 45 anos, é casado com a Thaís e pai do Rodrigo. Por aqui fixou raízes – se considera taquaritinguense por opção. | ||
Em meados dos anos 1980, ingressou na Academia da Força Aérea (AFA) de Pirassununga e, formado, serviu em vários locais, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. Queria ser astronauta. Chegou perto: fez parte da elite da FAB, do seletíssimo grupo dos melhores dentre os melhores, piloto do caça supersônico MIRAGE III, a arma mais letal e sofisticada que o País dispunha na época. De tempos em tempos, visita Taquaritinga para matar a saudade da terrinha e rever os amigos. Hoje, é responsável pela Base Aérea de Boa Vista, em Roraima, uma das mais importantes do Brasil por defender a Amazônia. |
Tendência Municipal: Qual sua relação com Taquaritinga?
Ten. Cel. Carlos Alberto (Gordo): Minha relação com a querida Taquaritinga ainda é intensa, em que pese estar fora há 26 anos. Cheguei com cerca de seis meses de idade (1967) devido ao trabalho do meu pai e, até ingressar na Academia da Força Aérea (1986), vivi meus melhores momentos. Em Taquaritinga estão meus melhores amigos, minhas lembranças mais marcantes, enfim, a fase mais feliz da minha vida. Sempre que posso, procuro estar aqui com minha esposa e filho, para mostrar onde estão e como são as minhas raízes e, lógico, rever os amigos.
TM: O que o levou a ser aviador militar?
Gordo: Pode até parecer loucura, mas minha mãe sempre disse que, desde bem pequeno, eu falava: “quelo cê pioto de caça”. Por volta de 1970 – eu morava na rua Duque de Caxias (próximo do cruzamento com a Tiradentes) –, a Esquadrilha da Fumaça fez uma apresentação pelos céus de Taquá. Creio que isso tenha me influenciado de forma marcante a ponto de, a partir daí, querer pilotar aviões de caça. Em verdade, até ingressar na AFA, jamais havia tido contato com a aviação (exceção feita à pista de pouso que existia no caminho para Jurupema aonde, inicialmente, íamos de bicicleta e, depois, nos carnavais, para os “rachas” de Aero Willys). Aliás, no meu primeiro voo de avião eu não pousei, porque saltei de paraquedas no treinamento militar inicial. Próximo dos 16 anos, minha mãe me levou à Pirassununga – onde está sediada a AFA – e, naquele momento, tive certeza do que viria a ser: piloto de combate! Fiz o concurso duas vezes porque entrei direto na Academia, ao invés de iniciar pelo ensino médio (Escola Preparatória de Cadetes do Ar – EPCAr, em Barbacena/MG), sendo que sobram menos vagas.
TM: Como é o dia-a-dia de um piloto de caça?
Gordo: Isso varia muito em função do posto que se ocupa. Inicialmente, voa-se muito – inclusive à noite, com um mínimo de carga na seção. A atenção fica quase que exclusiva para o preparo da base, que seguirá o piloto pelo resto de sua vida operacional. À medida que se vai ficando mais antigo (mais velho), as lides administrativas exigem maior atenção e os voos ficam mais escassos. Mais à frente, quando se é antigo e instrutor de voo, tudo fica exagerado porque não há tempo disponível, exigindo um esforço maior.
TM: Historicamente, a FAB sempre foi considerada a mais bem equipada aviação militar da América do Sul. Qual a situação atual e quais as perspectivas para o futuro?
Gordo: Hoje não podemos nos orgulhar dos equipamentos que possuímos devido à defasagem de performance do nosso principal vetor, o F-5 (o MIRAGE 2000, que substituiu o MIRAGE III, será desativado o mais tardar em 2014), frente aos equipamentos de alguns dos nossos vizinhos. Destacaria o Chile com F-16 [norte-americano] e a Venezuela com Sukkoi 30 [russo]. Estava em andamento, no final do governo Lula, o programa FX-2, que escolheria um de três aviões que a FAB selecionou (F/A-18 Super Hornet, norte-americano; Gripen NG, sueco; Rafale, francês), porém, foi cancelado pela atual Administração. Não há perspectiva de substituição. O mais importante é ter pilotos doutrinados e com conhecimento atualizado – e isso não nos falta! Temos realizado intercâmbios e somos responsáveis por sediar exercícios multinacionais, com a presença de EUA e França, dentre outros. Assim que pudermos ter à disposição plataformas (aviões) atualizadas, estaremos aptos a extrair o melhor delas.
TM: Nossa cidade gerou um ás da aviação, herói da Segunda Guerra, o Brigadeiro Joel Miranda (natural de Santa Ernestina, que, na época, era distrito de Taquaritinga). Infelizmente, a cidade nunca valorizou esse grande personagem. A que você atribui essa indiferença?
Gordo: Em parte pela sua opção em se calar. O Brigadeiro Joel Miranda efetuou 31 missões de combate e foi abatido em fevereiro de 1945. Durante o período que ficou em território italiano, foi acolhido por pessoas especiais e o amigo mais próximo dele foi morto cruelmente pelos alemães, já no final do conflito. Sua história e seu depoimento são emocionantes! Enviarei para o meu amigo Êitel Bassoli o livro e o DVD que contêm a história do nosso herói para ficar à disposição de quem se interessar. Essa mídia também pode ser adquirida pelo site www.sentandoapua.com.br. Entretanto, outra parte se deve à falta de consideração que tivemos com nosso herói de guerra: eu, por exemplo, só fiquei sabendo desse destacado cidadão quando entrei para a FAB. Importa dizer que no seio da caça ele teve o reconhecimento devido. Até hoje, nos encontramos, no dia 22 de abril, no Rio de Janeiro, para reverenciarmos nossos antecessores. A data é considerada o Dia da Aviação de Caça, pois, nesse dia, em 1945, fez-se o maior número de decolagens.
TM: Você já disse que, quando garoto, sonhava ser astronauta. O que sentiu ao ver seu colega Marcos Pontes ser o primeiro brasileiro a ir ao espaço?
Gordo: O fato de eu ter desejado voar o MIRAGE III atrapalhou os planos de infância, porém estava no caminho certo. Eu andei, sem saber, na mesma trilha do Ten. Cel. Pontes até certo ponto: Pirassununga-Natal-Santa Maria, voando nos mesmos esquadrões de caça (assim como o foi com o Brigadeiro Joel Miranda, o Impetuoso, com relação aos estudos básicos: Taquaritinga-Jaboticabal). O Marcos Pontes, entretanto, foi cursar o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e se qualificou como piloto de testes. Eu quis voar duas vezes mais rápido que o som! Aí é que perdi a chance de concorrer à exigente lista de candidatos à astronauta, mas não me arrependo, até porque também vi a Terra redonda e o céu escuro do espaço quando voava a 70.000 pés de altitude.
TM: Que conselho você dá ao jovem taquaritinguense que quer seguir na carreira militar?
Gordo: Há na carreira militar oportunidades únicas. Uma das coisas a ser colocada, claramente, é que não se trata de profissão que traz riqueza material – é muito mais realização pessoal. Todavia, há muitas coisas que o dinheiro não consegue comprar e que se tem a oportunidade de vivenciar como piloto de caça: já derrubei esquiador no Mont Blanc, voando MIRAGE 2000, em Dijon/França; cruzei a Cordilheira dos Andes em um caça monoplace (de um só lugar) com destino a Santiago do Chile; sobrevoei grande parte da Amazônia, no período noturno, usando NVG (óculos de visão noturna); fui responsável por colocar em segurança, no aeroporto de Brasília, um LearJet que estava em emergência (por incrível coincidência, o piloto vive na mesma cidade que eu, Boa Vista). Tais prazeres me custaram horas de empenho, em detrimento da companhia de amigos e familiares. E faria tudo de novo. Resumindo e dando meu conselho: trata-se de uma profissão que exige disciplina e entrega total, mas que traz enorme realização. Recomendo a qualquer um, sem moderação!
MINHA HISTÓRIA DE VIDA NA AVIAÇÃO DE CAÇA
(Por Carlos Alberto Gonçalves)
Depois de completada a AFA, onde voaram T-25 e T-27 (Tucano), os que se saem bem seguem para a cidade de Natal/RN, para se especializar na aviação de caça, voando Super Tucano (A-29). Esse período dura um ano. Quem se forma, vai para um dos esquadrões abaixo, para também voar o Super Tucano:
- 1.º/3.º G Av (Boa Vista/RR);
- 2.º/3.º G Av (Porto Velho/RO);
- 3.º/3.º G Av (Campo Grande/MS).
Nessas Unidades Aéreas, fica-se em média três anos, quando se segue para um Esquadrão de primeira linha para voar jatos (AMX, subsônico; F-5 ou MIRAGE 2000, supersônicos) por cerca de seis anos, quando se retorna para uma das quatro cidades em que voam o Super Tucano (as quatro acima citadas) para auxiliar na formação dos jovens caçadores. Uns poucos, antes de irem para a primeira linha, retornam à AFA a fim de ministrar instrução e, depois, voltam para seguir na progressão operacional. O Brasil possui dez Unidades Aéreas Operacionais de Caça, sendo que sete efetuam, além do treinamento diário, missões de policiamento do espaço aéreo, que são sempre missões reais.
Após me formar na AFA (1989), segui para Natal e conclui, com aproveitamento, o curso de piloto de caça. À época, não se ia para Boa Vista-Porto Velho-Campo Grande e sim para Fortaleza/CE ou Santa Maria/RS: eu escolhi esta última. Neste período, o curso de caça em Natal era realizado com um jato subsônico ítalo-brasileiro, AT-26 Xavante, bem como em Santa Maria-Fortaleza, portanto, no sul do País, voei o Xavante. Em Santa Maria, permaneci por quatro anos. Em 1995, cheguei a Anápolis/GO para realizar meu grande sonho: voar o caça bissônico (que atinge duas vezes a velocidade do som) MIRAGE III. Fiquei no Planalto Central por oito anos, quando fui convidado a participar do grupo de implantação do novo vetor de combate, o Super Tucano/A-29, que substituiria o Xavante. Cheguei, então, a Porto Velho em 2003 voando, inicialmente, o Tucano (T-27) militarizado, período em que preparamos homens e instalações para a nova ordem. De 2005 até 2010 voei o Super Tucano, sendo que, nos dois últimos anos, na condição de Comandante da Unidade Aérea. Hoje estou em Boa Vista/RR, como Subcomandante da Base Aérea e voando no 1.º/3.º G Av como instrutor.
Apenas para registrar: minha turma se formou com 130 pilotos. Destes, apenas 24 se formaram caçadores; destes 24, apenas três voaram o MIRAGE III e cinco comandaram Unidades de Caça. Eu estive em todas essas relações!