Entrevistamos Carlos Eduardo Miguel Sobral, para os amigos, o Cacá. Nascido em Taquaritinga, filho do saudoso Dr. José Carlos Sobral e da professora Vera Marta, mudou-se ainda jovem para Ribeirão Preto, quando seu pai, juiz de Direito, assumiu a Vara da Infância e Juventude. Formado em Direito pela UNAERP, trabalhou como advogado até se tornar DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL em 2003, aos 26 anos. Iniciou sua carreira em Porto Velho, Rondônia, e está estabelecido em Brasília. Coordenou o combate à pedofilia e, hoje, tem a missão de coordenar o combate aos crimes eletrônicos, temas de grande importância na atualidade. Sempre que pode, vem à Taquaritinga para visitar familiares e amigos. Uma entrevista imperdível, recheada de aventura, informação e opinião. |
Tendência Municipal: É notório que a Polícia Federal vem reconquistando a credibilidade junto à sociedade brasileira. Como descreve a PF de hoje?
Carlos Eduardo Sobral: A Polícia Federal é uma das instituições brasileiras de maior credibilidade junto à sociedade. Esse reconhecimento é fruto de muito trabalho e esforço de milhares de pessoas em todo País. Há alguns anos, a PF entendeu que possui importante – e fundamental – papel na construção da democracia e da cidadania. Ficou claro que somente viveremos em uma sociedade justa, fraterna e igualitária se conseguirmos enfrentar a criminalidade que corrompe o Estado, encarece obras e serviços públicos e ofende direitos e garantias individuais e coletivas. Assim, vejo a PF como uma instituição moderna, de vanguarda, que se reinventou para cumprir a difícil missão atribuída pela Constituição, com trabalho, honestidade, técnica e inteligência. Resumindo: a PF é composta por pessoas que se dedicam para fazer um mundo melhor. E que sabem o quanto foi difícil conquistar a credibilidade e o quanto é fácil perdê-la. Portanto, a PF não permite nenhum deslize ético ou moral de seus membros, por menor que seja.
TM: Como está o combate à pedofilia e aos crimes eletrônicos?
Cacá: Avançamos muito nos últimos anos. Em 2007 e 2008, quando fizemos as operações CARROSSEL I e II, demonstramos que a legislação brasileira não era boa para combater a pornografia infantil: enquanto prendemos mais de 500 pessoas no mundo todo, no Brasil somente cinco pessoas foram presas! Isso porque nossa lei estava atrasada. Após a CPI da Pedofilia do Senado, que tive a oportunidade de assessorar por dois anos, conseguimos aprovar a Lei 10.829/2009, que mudou radicalmente nossa realidade. Hoje, temos instrumentos legais para combater essa violência contra nossas crianças. Quanto aos crimes cibernéticos, temos excelentes resultados no combate às fraudes eletrônicas – furto de dinheiro por clonagem de cartões e serviços de internet banking. Após o “Projeto Tentáculos”, reduzimos as fraudes em mais de 65%, em apenas 10 meses! Evitamos que mais de R$ 170 milhões fossem desviados do Governo Federal. Agora, o que vem nos preocupando são os chamados “crimes de alta tecnologia”, os ataques contra sistemas de informação governamentais promovidos por hackers, com a intenção de destruir os sistemas ou divulgar dados sigilosos. Em junho, sofremos alguns ataques, sem grandes consequências. Estamos trabalhando para que não voltem a acontecer, com a atualização da legislação e, principalmente, com a criação de Delegacias especializadas em crimes cibernéticos em todos os Estados. Vamos criar a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética e Combate ao Crime para articular ações de prevenção e repressão entre centenas de órgãos da União, Estados e Municípios, que contará com a participação da sociedade civil. Trabalhamos, ainda, na construção da Convenção Internacional da ONU para combate aos crimes cibernéticos. O grupo de especialistas acabou de ser constituído, teremos dois anos para apresentar o texto e, graças aos excelentes resultados que a PF vem obtendo, fomos indicados para representar a América Latina. Será uma experiência ímpar para mim e para a PF poder contribuir no combate ao crime não só no Brasil, mas também em âmbito internacional.
TM: Uma de suas primeiras ações como delegado federal envolveu o caso dos assassinatos de garimpeiros por índios, no Estado do Mato Grosso. Conte-nos um pouco dessa experiência.
Cacá: Foi incrível. Havia acabado de tomar posse como Delegado, estava em meu gabinete de trabalho em Porto Velho quando, no final da tarde de uma quinta-feira, recebo ordem de meus superiores para embarcar, imediatamente, em um aviação rumo a Espigão do Oeste, pequeno município do interior de Mato Grosso, a 700 km dali. Fui ao aeroporto portando somente meu armamento pessoal. A informação dava conta de que algo grave acontecera na “Terra Indígena Roosevelt”. Minha missão era identificar o ocorrido e relatar a extensão dos danos. Na ida, os sinais de que a missão seria inesquecível... Como saímos no final da tarde, chegamos sem muita luz natural, o piloto não conseguiu encontrar a pista de pouso, na verdade, um descampado numa fazenda próxima, e ficamos voando em círculos por mais de 20 minutos. Lembro-me, com perfeição, da sensação de sobrevoar várias vezes e ouvir o piloto declarar: “não consigo achar a pista. Acho que teremos que voltar”. Como assim “não encontro” a pista?! Como assim “acho” que teremos que voltar?! Para mim, não havia muita dúvida: ou encontra a pista e desce ou volta, ficar sobrevoando até acabar o combustível não me parecia uma boa solução. O piloto desistiu e voltou a Ji-Paraná. Retornamos no dia seguinte, fui à Delegacia da Polícia Civil, encontrei dezenas de mulheres, desesperadas, anunciando que seus maridos, garimpeiros, haviam sido mortos pelos índios “cinta-larga”. Feito o relatório, a segunda surpresa: recebo ordem para permanecer e coordenar a busca pelos garimpeiros, no meio da floresta. Assim foi feito. Aguardei dois dias a chegada do helicóptero, pois o local era inacessível por terra. Fiquei quase quinze dias na missão, que era para ser um levantamento de algumas horas. Encontramos 30 corpos em estado de decomposição. Os garimpeiros mortos estavam retirando, ilegalmente, diamantes da reserva. Até hoje, passados oito anos, mantemos policiais federais para impedir a entrada de outros garimpeiros e o confronto com os índios. Trata-se de uma das maiores jazidas mundiais de diamantes.
TM: Qual sua avaliação sobre o sistema judiciário brasileiro?
Cacá: Melhoramos bastante, sobretudo com a criação do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e a fixação de metas de qualidade, mas há muito a evoluir. No Governo Federal, temos diversos mecanismos de controle, promovidos pelo Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União, além da nossa Corregedoria. A Justiça é indispensável para o Estado Democrático de Direito e, como qualquer serviço público, deve primar pelo princípio da eficiência. A Justiça deve se aprimorar, se reinventar para prestar um serviço de qualidade, rápido e efetivo, que garanta uma boa resposta aos problemas postos em disputa; buscar o equilíbrio para que o sagrado direito de defesa não se transforme no abominável abuso de direito. O juiz deve conduzir os processos de modo a apresentar uma rápida solução, visar a paz social. O magistrado não pode – não deve – pensar: “faço minha parte, se o processo não anda, o problema não é meu, mas do sistema”. Ele deve ficar atento ao princípio da oficialidade, aplicar penalidades aos litigantes de má-fé que abusam dos recursos para fazer chicanas. A Justiça deve ser mais enérgica neste sentido, sob pena de cair em descrédito. Concordo com a iniciativa do atual presidente do Supremo Tribunal Federal em restringir em somente duas as instâncias judiciais. Aliás, isso está implícito na Constituição. E as leis penais devem ser mais rígidas para crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. É falsa a ideia de que cadeia não é lugar para criminoso do “colarinho branco”; a cadeia é o melhor local para que esse tipo de criminoso encontre “coragem” para devolver os milhões de reais que desviou da sociedade. Parafraseando marquês de Beccaria, uma justa punição deve estar aliada à certeza de sua rápida aplicação, o que ocasiona a chamada “prevenção geral do crime”, ou seja, a possibilidade da contenção do ilícito pelo exemplo dado.
TM: Muitos de seus familiares têm ligações com a política. Seu pai foi vereador (em Taquaritinga e Ribeirão) e candidato a deputado estadual por duas vezes; seu tio, Dr. Bassoli, foi presidente da Câmara de Taquaritinga por três mandatos; seu irmão, Ricardo, assessorou o ex-presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia. Já pensou em se candidatar a algum cargo eletivo no futuro?
Cacá: Hoje, exerço o cargo público que escolhi para contribuir com a sociedade da melhor forma possível, com meu conhecimento, energia, trabalho e dedicação. Sem querer desprestigiar ou menosprezar os demais poderes, vejo o Poder Executivo como principal agente do desenvolvimento. É no Executivo que planos e ações governamentais são cumpridos; e os agentes do Estado são peças essenciais para que isso ocorra. O cargo que ora exerço me permite contribuir com a comunidade; deixo a arte da política, do exercício do mandado eletivo, do debate das idéias e da busca do consenso, para os que possuem a sensibilidade de compreender os anseios do povo e transformá-los em leis – para que nós, agentes públicos, possamos cumpri-las da melhor forma. No mais, o legado político deixado por meu pai já possui herdeiro: meu irmão Ricardo, vice-presidente do PT de Ribeirão Preto, além do meu primo Luisinho, dirigente do PT de Taquaritinga e filho do tio Bassoli. A família está muito bem representada por esses dois excelentes quadros políticos
TM: Que conselho daria aos taquaritinguenses que pretendem ingressar na Polícia Federal? O que esperar da profissão?
Cacá: Ingressar na Polícia Federal exige muito estudo, muito conhecimento, muita vontade de trabalhar e, principalmente, desprendimento e esforço para suportar dias, semanas, meses longe da família e dos amigos. Tem que estar disposto a exercer funções nos locais mais distantes do Brasil e no exterior. Ser policial é passar frio e fome no interior das florestas mais longínquas e também representar o País em fóruns e eventos internacionais, é estar, em certo momento, num local inóspito e perigoso e, em outro, nas mais bonitas e deslumbrantes cidades do mundo. Integrar a “família” da PF requer dedicação, lisura, honestidade, não compactuamos nem aceitamos deslizes ou arbitrariedades. Garanto que somos extremamente rígidos com nossos policiais para permitir que nos cobrem a mesma lisura. Ser policial federal é ter prazer em proteger as pessoas, a sociedade e o Estado, em detrimento da própria vida, se necessário. É sentir orgulho do que faz, ter vontade de fazer mais e melhor. Obrigado pela entrevista.