sábado, 4 de junho de 2011

Entrevista: Ana Salvagni




 

O TENDÊNCIA MUNICIPAL entrevista Ana Maria Salvagni. Cantora, poeta, musicista, uma grande artista. Formada em piano pelo Conservatório Municipal Santa Cecília e em regência pela Unicamp, é casada com o violeiro, escritor e pesquisador de arte popular Paulo Freire, mãe da Laura e do Augusto. Apaixonada pela música, herdou o talento do pai, o saudoso Estevam Salvagni, pianista autodidata, e da mãe, a diretora de Ensino Neide Ramos Salvagni, prodigiosa cantora. Já se apresentou no programa Sr. Brasil, comandado pelo cantor e compositor Rolando Boldrin, e foi tema do tradicional Ensaio, do mestre Fernando Faro, ambos da TV Cultura.

No final da década de 1990, lançou seu primeiro CD, que leva seu nome, depois o CD Avarandado, de 2005, mas foi no terceiro, o Alma Cabocla, de músicas do compositor Hekel Tavares, que alcançou o merecido reconhecimento: em 2010, recebeu, no Rio, o Prêmio Vale de melhor álbum de música regional, o mais importante do País, patrocinado pela mega-empresa Vale do Rio Doce. Estabelecida em Campinas, Ana mantém uma agenda de shows por todo Brasil, sempre bem recebidos pelo público e pela crítica. Teve uma grata experiência na administração pública à frente do coral e educação musical do Conservatório Municipal de Taquaritinga. Falamos de artes, política, mercado e, claro, música.

Tendência Municipal: Como começou sua paixão pela música?

Ana Salvagni: Gosto de música desde sempre e, ainda bem pequena, gostava de cantar e ouvia, de um lado, meu avô Eutimo e seu irmão, o tio Euclides. Ouvia, de outro, minha avó Zilda e sua irmã, a tia Diva. Ouvia meu pai, minha mãe, as duplas sertanejas e os cantadores que iam à fazenda. Ouvia os discos do meu pai, sempre gostei de tudo isso.

TM: Qual a sensação de ser agraciada com o Prêmio Vale, o mais importante da música brasileira, e se ver ao lado de artistas consagrados, como Caetano Veloso, Maria Bethânia, Zeca Baleiro e Elba Ramalho?

Ana: É uma sensação de algo irreal, como um sonho. Durante a cerimônia, eu olhava para os lados e via meus ídolos, tanta gente que eu admiro e que só existiam pra mim nos discos, imagens... Fiquei mesmo deslumbrada! E receber o prêmio foi uma grande honra, junto com a sensação tão boa do reconhecimento. Este CD me deu muitas alegrias desde o início, a começar por ter recebido patrocínio da Petrobras para fazê-lo, pelos grandes músicos que dele fizeram parte. E também foi fruto de muito trabalho, assumi toda a pesquisa, a produção, a execução, até a parte musical propriamente dita. Então o prêmio foi uma resposta mais do que positiva, um verdadeiro presente.

TM: Seus trabalhos, na música e na poesia, se caracterizam pela linha “popular”, no sentido mais nobre do termo, sem fazer concessões ao mercado ou a “modismos”. Como é seguir esse caminho?

Ana: Nunca pensei em me tornar uma artista super conhecida, sempre quis trabalhar com música da forma que me encanta e me alimenta, seguir minha motivação e ser verdadeira. Esse caminho não é fácil, mas imagino que também não deva ser nada fácil estar, por exemplo, a serviço dos modismos e do que a mídia pede. Como ser artista assim? Tenho muita sorte por ter conhecido pessoas maravilhosas e feito sempre o que quis. O que não quer dizer que não tenha tido as minhas dúvidas e indagações, tive e tenho, claro, mas isso também é saudável, me faz encarar novos projetos e desafios.

TM: É possível fazer da arte instrumento de inclusão social?

Ana: Sim, a arte é um instrumento de inclusão social por natureza, sempre foi e sempre será, a gente só tem que dar uma ajudinha, criar acesso mais fácil ao público. E mais do que o social, podemos pensar no aspecto do desenvolvimento humano, pois a arte é viva e acolhedora, para cada pessoa ela atua de uma maneira diferente e, neste processo de descoberta, conhecimento e expressividade, temos a possibilidade de nos perceber melhor, assim como o outro. É possível aprender muito a partir desta vivência.

TM: Como foi sua experiência como gestora pública à frente do Conservatório?

Ana: Entre 1993 e 94 trabalhei no Conservatório em Taquaritinga, com uma espécie de assessoria aos professores e hoje penso que não tinha experiência e maturidade suficientes, na época, para conduzir aquela atividade. Mais tarde, em 1997 e 98, trabalhei com o coral e, então, me senti fazendo um trabalho mais consistente.

TM: Você descende de uma família de tradição política, seu avô, Ernesto Salvagni, foi prefeito e deputado; seus pais vereadores; seu tio, Sérgio, foi vereador e prefeito. Como se posiciona em relação à política? Pensa, algum dia, se candidatar à vereadora em Taquaritinga?

Ana: Mesmo com este histórico, nunca me aproximei da política e tenho dificuldade em entender e me adaptar às suas particularidades. Me parece que o que está errado e viciado precisa de mudança urgente, mas nenhum processo de mudança é rápido ou fácil, e isso gera uma terrível sensação de impotência. Acredito que uma melhora na qualidade da política, das instituições governamentais e da própria cidadania só acontecerá quando houver uma profunda mudança no âmbito pessoal e humano, mesmo dentro de ações coletivas. Bem, não digo que nunca seguirei este caminho, mas hoje só posso dizer que cantar ou reger é bem mais simples, há metas comuns e os meios são mais claros. Para os políticos e governantes, o grande desafio talvez seja não se esquecer dos seus verdadeiros objetivos.

TM: Taquaritinga é reconhecida por gerar artistas de qualidade, na música, literatura, fotografia, artes plásticas e cênicas. O que você tem a dizer aos jovens taquaritinguenses que anseiam seguir a vida artística?

Ana: Se há o desejo, já é um ótimo indício – há tantos jovens que não conseguem identificar o que querem seguir. Quem escolhe ser artista pode ainda enfrentar o preconceito da família e da sociedade, por incrível que pareça, mas se a vontade e a crença em seu potencial existem, deve ir em frente, é muito importante considerar suas aptidões e procurar desenvolvê-las. Hoje há uma corrida por bons empregos, os cursos de nível superior aumentaram em quantidade, mas diminuíram em qualidade, e, em meio a tudo isso, é uma grande vantagem ser apto e apaixonado pelo que se faz. Não é fácil tornar-se um profissional bem sucedido, independente da área escolhida, por isso penso que perceber, respeitar e investir no seu próprio talento é o melhor caminho.

TM: Não podemos encerrar sem perguntar, por curiosidade: que música você ouve no dia-a-dia? Que CD está ouvindo?

Ana: Isso varia bastante, mas agora estou ouvindo um CD que marcou uma parceria um tanto inusitada: as poesias de Hilda Hilst musicadas por Zeca Baleiro. É um trabalho belíssimo, chamado Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé. Ouço também um lindo trio - formado aqui em Campinas - o Conversa Ribeira.



* Eu queria parabenizar a equipe do Tendência Municipal e também os entrevistados. Tenho lido e gostado muito das entrevistas! É uma alegria estar neste espaço, conversando com vocês.

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