terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Andréa Pastôre

  Iniciamos o ano conversando com Andréa Cristina Pastôre. Filha do saudoso Carlinhos Pastôre e da elegante Dirce, irmã do Gu (proprietário da Troy Informática), do Kóy (saudades!) e do Pio (Dr. Flávio, renomado médico radicado em Votuporanga), mãe da Melina e do Matheus, casada com Antonio Roberto Sábio. Formada em História, Estudos Sociais e Pedagogia, pós-graduada em Didática pela UNIARA, professora do Ensino Básico e Fundamental, ministra aulas no Fundo Social de Solidariedade e na Alfabetização de Adultos. Funcionária pública concursada (desde 1990), foi Coordenadora Pedagógica da escola Amando de Castro Lima, Vice-Diretora do Domingues da Silva e Diretora do Mineo Rossi.
Atuou como membro do Conselho Municipal de Assistência Social, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência. Foi secretária municipal de Promoção Social de Taquaritinga até assumir, em 2011, a Diretoria da Divisão Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (DRADS) de Araraquara. Seu trabalho é reconhecido pela comunidade taquaritinguense – e também por políticos dos mais variados partidos. Falamos de política, da relação entre órgãos estatais e sociedade civil, dos grupos de pessoas mais carentes de Taquaritinga e do desafio de vencer a miséria.


Tendência Municipal: Quais são e onde estão localizadas as pessoas mais vulneráveis de nossa cidade?

Andréa Pastôre: Taquaritinga possui dois locais, com aproximadamente 15 mil habitantes cada, onde estão os “bolsões de pobreza” (Jardim São Sebastião/bairros adjacentes; Jardim Paraíso/bairros vizinhos), obviamente, localidades em que encontramos boa parte da população em estado de vulnerabilidade social. A demanda maior, sem dúvida, vem das famílias vitimadas pelo álcool e pelas drogas, problemas que mais acarretam desemprego, violência e a total desestruturação familiar.

TM: Faça-nos uma análise sobre a Assistência Social em Taquaritinga. Existe interação entre órgãos públicos e entidades filantrópicas?

Andréa: A Norma Operacional Básica de Assistência Social (NOB) prevê os níveis de atuação em Gestão Inicial, Gestão Básica e Gestão Plena, e cabe aos municípios desenvolvê-las de acordo com suas realidades. Taquaritinga é um município de médio porte e está em Gestão Básica, avanço alcançado em 2009. O quadro analítico nos mostra que é formado, em grande parte, por trabalhadores rurais de baixa renda. Devido ao crescimento populacional na faixa dos 25 aos 39 anos, houve a necessidade de ajustamento nos programas sociais voltados para geração de emprego e renda, uma vez que se trata de população economicamente ativa. Segundo diagnósticos, Taquaritinga cresceu muito nos últimos seis anos com o surgimento de algumas indústrias e o crescimento do comércio; contudo ainda enfrenta problemas sociais – o emprego aparece, mas a falta de qualificação ainda é muito presente e fomenta o desemprego. Hoje, o grande desafio é conscientizar a população carente da importância de participar de programas oferecidos, qualificando-se e capacitando-se para atender às demandas. Para enfrentar esses problemas, procura-se trabalhar de forma integrada a outras secretarias, assessorando nas questões que envolvam a assistência social. Possui articulação com a maioria das entidades, como Conselho Tutelar, Conselhos de Direitos, de Saúde, de Assistência Social, Poder Judiciário, entre outros. Através de seus programas e serviços, objetiva-se a transformação, a inclusão e a garantia dos direitos dos munícipes em situação de vulnerabilidade social e econômica. Possuímos um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) no Jardim São Sebastião, que trabalha com a acolhida e prevenção de famílias em situação de risco, e um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) no centro da cidade, que trabalha já com a situação de risco instalada, com jovens em cumprimento de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, pessoas que sofreram abuso, agressões, etc., ambos em pleno funcionamento. Estamos em fase de implantação de um novo CRAS no Jardim Micali. As entidades sociais têm papel importantíssimo na execução e desenvolvimento das ações. Por isso, o Conselho Municipal de Assistência Social deve manter suas inscrições em ordem para que possa receber indicações parlamentares e outros tipos de convênios. Hoje, tenho uma visão contextualizada de como caminha a Assistência Social na região e posso garantir que Taquaritinga tem servido de referência aos demais municípios, assim como São Carlos e Araraquara.

TM: O que é a Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social de Araraquara (DRADS) e como se dá a relação com Taquaritinga?

Andréa: A DRADS de Araraquara atende a 26 municípios da região e é um braço da secretaria Estadual de Desenvolvimento Social. Tem diversas atribuições: orientar e assistir municípios e entidades na implementação e acompanhamento de políticas e programas de assistência e desenvolvimento social; executar as atividades previstas para a Coordenadoria de Ação Social no âmbito regional da Diretoria, observadas as diretrizes por ela estabelecidas; fomentar o estabelecimento e aperfeiçoamento das redes sociais locais, integrando a ação dos Conselhos, municípios e entidades empresariais e sociais; estimular e orientar a formação e funcionamento de Conselhos e Fundos Municipais de Assistência Social; produzir informações para as Coordenadorias Estaduais que sirvam de base à tomada de decisões, planejamento e controle de atividades de interesse da secretaria; receber pedidos e formalizar expedientes e processos para celebração de convênios e examinar sua viabilidade administrativa, orçamentária e financeira, emitindo parecer ao registro de entidades e organizações sociais; formalizar correspondências preliminares e documentação de convênio com entidades e municípios relativo aos recursos do Estado; acompanhar e controlar convênios e similares; avaliar e emitir pareceres técnicos acerca dos trabalhos conveniados, entidades e organizações; manifestar-se sobre os trabalhos dos municípios com vista à sua qualificação para a Gestão Municipal; colaborar com outros órgãos do Estado na execução de programas; participar de eventos e reuniões com prefeituras e entidades referentes à assistência social; divulgar as ações da pasta junto aos veículos de comunicação regionais; representar a secretaria em âmbito regional e sub-regional junto a órgãos públicos e privados, Conselhos e Fóruns Sociais. No dia a dia, procuramos visitar os 26 municípios e fortalecer toda essa articulação.

TM: Como fazer com que a Assistência Social pública (e genuína) não se confunda com o "assistencialismo" de fins político-eleitorais?

Andréa: As práticas de proteção social são antigas no Brasil, mas sempre foram realizadas sob o manto da caridade ou da filantropia, vistas como uma “responsabilidade” de fundo ético ou religioso. A Constituição de 1988 deu uma grande guinada em direção à concepção da proteção social como “direito”. No entanto, essa concepção só veio a ser regulamentada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, que consolidou um novo modelo de proteção social. A LOAS traça novos caminhos para viabilizar a estruturação de um sistema de garantia de direitos e não de favores. Sabemos que o antigo sempre tenta resistir – e ainda me assusto com algumas práticas que encontramos por aí, ainda falta muito para que possamos consolidar a política de assistência social como “direito universal” e não “benesse pontual”. Acho que um município bem estruturado sabe a diferença do Fundo Social de Solidariedade, que normalmente é presidido pela primeira-dama e que tem uma função articuladora muito peculiar, da função de uma secretaria de Assistência Social, que é totalmente diferente. Para resumir: precisa ficar claro que uma cesta básica, um prato de sopa, um cobertor ou uma troca de roupas podem ser, sim, muito importantes num momento de fragilidade, de emergência, de vulnerabilidade de uma família, mas somente a política de proteção social bem aplicada, que acolha essa família, analisa suas reais precariedades, insere-a em programas sociais (Renda Cidadã, Agente Jovem, Pro Jovem Adolescente, Bolsa Família, BPC, etc.), capacita seus responsáveis em programas de qualificação profissional, desinstitucionalizando-a, é que pode realmente significar alguma mudança na vida das pessoas. Muitas vezes, as pessoas estão em estado de pobreza apenas por falta de informação, por falta de acesso às políticas públicas. O município dos sonhos é aquele que não precisa fornecer cestas básicas, leites especiais, fraldas, para nenhum cidadão e, sim, que cada pai e mãe de família tenha autonomia para sobreviver! Quando iniciei na Assistência, fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que iam buscar cestas básicas e outros benefícios e se diziam orgulhosas por terem criados seus filhos com a ajuda da prefeitura. Era deprimente... As pessoas precisam ter essa consciência – e essa é a luta dos agentes da área social!

TM: O Bolsa Família tem eficácia reconhecida pela ONU. Esse ano, o governo federal lançou o plano "Brasil sem miséria" e, recentemente, vemos uma "parceria" entre as administrações Dilma e Alckmin, que culminou na união dos dois principais programas sociais, o Bolsa Família (federal) e o Renda Cidadã (estadual). É possível erradicar a pobreza extrema no País?

Andréa: A ideia dos benefícios através de transferência de renda foi implantando no governo FHC, pela então primeira-dama Ruth Cardoso: “Bolsa Escola”, “Auxílio Gás” e “Cartão Alimentação”. Mais tarde, no governo Lula, o programa “Bolsa Família” unificou os demais para integrá-los ao “Fome Zero”. O Pacto pelo Fim da Miséria na Região Sudeste e o Termo de Cooperação do Cartão Único foram assinados no Palácio dos Bandeirantes [sede do governo de SP], em agosto de 2011, pelo governador Geraldo Alckmin e pela presidente Dilma Rousseff, unindo os programas Renda Cidadã e Bolsa Família. A iniciativa garante o benefício individual mensal de R$ 70,00 a 300 mil famílias paulistas que não atingem esse piso, tirando-as da linha da extrema pobreza até 2014 por meio da mobilidade social. Acompanhei, durante anos, o cadastramento dos beneficiários do Bolsa Família e sempre achei que faltava algo. Até então, por mais que as condicionalidades fossem acompanhadas e cumpridas, dificilmente víamos as famílias serem “emancipadas”, ao contrário, o que me incomodava era a “dependência” aos programas. Mais uma vez, ficava aquela ideia de ter “orgulho” de receber benefícios. Acredito que o pacto entre os governos federal e estadual possa preencher essa lacuna, pois, com a implantação do Programa Bandeirantes (estadual), as famílias terão oportunidade de ganhar qualidade de vida, de investir o que recebem em itens realmente importantes para a subsistência. O Programa Bandeirantes será estruturado em três eixos principais. A primeira etapa é a realização do “Retrato Social”, localizar as pessoas em extrema pobreza por meio da Busca Ativa. Com os dados, será elaborado, pela secretaria de Desenvolvimento Social, o “Mapa de Privação Social”, que norteará os municípios na construção da “Agenda da Família” nas dimensões da educação, saúde e padrão de vida. Para receber o benefício, as famílias deverão assinar a Agenda da Família, firmando compromisso com a prefeitura na busca de superar suas graves privações. O benefício será transferido por meio do Cartão Único, somando recursos do Renda Cidadã (estadual) e Bolsa Família (federal). Penso que a não unificação seria a negação da política social como “direito”, se não houvesse unificação, ficaria a ideia de benesse ligada ao governo que a concede. O sucesso dos programas de transferência de renda vem da liberdade concedida ao usuário de utilizar o recurso da maneira que achar conveniente, mas isso pode ser uma via de duas mãos. Acompanhando o cadastramento, vi pessoas realmente necessitadas recuperando o poder de comprar seu pão, seu medicamento... Em contrapartida, vi muitos comprando crédito para celular, tinta de cabelo, cigarro, bebida, enfim... É lógico que o cidadão, uma vez possuidor do direito, pode fazer o que bem entender com o benefício, mas não é apenas isso que queremos. Queremos que esses cidadãos sejam autônomos, que utilizem o benefício para suas necessidades reais. Acho que é possível erradicar a pobreza extrema do País, o desafio é chegar a determinados locais – e os municípios farão esse papel, através da Busca Ativa.

TM: Você tem planos para a política? Pretende, algum dia, se candidatar à vereadora?

Andréa: Não, não tenho planos para a política. Não penso em me candidatar a nada. Gosto de estar envolvida nos projetos, na execução direta dos trabalhos que envolvem a área social e a educação. O que me encanta é a ideia de poder, de alguma forma, melhorar a vida das pessoas – e meu trabalho me proporciona isso. Posso dizer que estou feliz e realizada. Com muitos desafios pela frente, mas realizada!

2 comentários:

  1. Muito legal a entrevista, parabéns.
    Em relação ao conteúdo,não sou adepto a ideia de que os entes federativos tenham políticas redistributivas por razão a livre mobilidade de jurisdição. Acho que esse deve ser um dever restrito ao Governo Central, contando apenas com apoio de cadastramento dos entes federados.

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  2. Seria um tanto "suspeito" qualquer elogio meu à entrevistada por motivo óbvios. Obrigado TM pela entrevista! Um beijão Andréa e todo sucesso desse mundo é pouco, doar-se a um trabalho edificante é atender a um chamado divino.

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