quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Washington Patrini

  Entrevistamos Washington Luís Patrini, autodenominado “Óxito”. Nasceu, por acaso, em Monte Alto, já que seus pais moravam em Taquaritinga. É taquaritinguense de coração e de direito – recebeu Título de Cidadão em 2009. Formado em História pela PUC/SP, construiu sólida carreira no mercado financeiro. Nos anos 1970, foi professor de cursinho, trabalhou no sistema bancário e na Bolsa de Valores até fundar sua própria empresa, estabelecida em Ribeirão Preto. Estava no campus da PUC quando ocorreu a invasão policial, comandada pelo famigerado secretário de Segurança Pública Erasmo Dias, em 1977.
Desde a juventude, demonstra apreço pela arte, participou dos áureos tempos da ATE (Associação Taquaritinguense dos Estudantes) e escreve com peculiar estilo. Apaixonado por carnaval, compôs, com o parceiro e conterrâneo Edu Velocci, sambas-enredos que chegaram às finais nos concursos da Escola de Samba Unidos do Viradouro, no Rio de Janeiro. É o principal (des)organizador do bloco taquaritinguense Batata Doce. Atualmente, divide sua residência entre Ribeirão e Sion, na Suíça, e vem com frequência à Taquaritinga. Óxito é daqueles com quem podemos conversar por horas e horas, sem que falte assunto! Nosso bate-papo abordou mercado financeiro, economia, ditadura, carnaval, Taquaritinga, São Paulo, Rio e Suíça.


Tendência Municipal: De estudante de História a investidor, faça-nos um resumo de sua trajetória.

Washington Patrini: Bem, eu acho que, naqueles tempos, a trajetória de qualquer jovem que saía do Instituto de Ensino 9 de Julho, filho de ferroviário, era seguir para São Paulo em busca de trabalho. Era a única alternativa para se chegar à sonhada Universidade. Essa mudança me deu a oportunidade de conhecer novos lugares, pessoas interessantes, e, ao mesmo tempo, de experimentar uma outra realidade, bem diferente da que eu havia vivido até então: morei na rua Aurora (na conhecida “boca do lixo”), na avenida São João e no bairro do Bixiga. Assim, entre uma mudança e outra – algumas feitas a pé –, tratei de me adaptar às condições sem olhar para trás. Quanto ao mercado financeiro, ele veio quase que por acaso. Fiz um teste na CREFISUL e, no dia seguinte, já estava trabalhando. Não sei se me apaixonei pelo trabalho ou se foi pela necessidade de trabalhar... Eu tinha 17 anos e já passava da hora de pegar no batente! De lá, fui parar no pregão da Bolsa de Valores. Trabalhei no CITYBANK e no Unibanco. Após o trabalho, ia para a PUC, onde cursava História. Nas “horas vagas”, ministrava aulas em colégios da periferia de São Paulo e, enquanto bolsista da PUC, desempenhava minhas funções de monitor da disciplina de Antropologia. Dormir? Só depois de passar pelo Paulistano da Glória... Para mim, São Paulo era como para Mário de Andrade: a “comoção da minha vida”. Cinemas, teatros, escola de samba Camisa Verde e Branco. Assim, fui tocando a vida naquele momento.

TM: Como foi estar na invasão da PUC em 1977?

Óxito: Sobre a invasão da PUC pelas forças de repressão, posso dizer que foi um episódio que caracterizava bem o grau de truculência que imperava no Brasil. Vivíamos numa ditadura militar, tendo como maior expoente a figura do coronel Erasmo Dias – quem nunca tinha visto um “nazista” de perto, aquela foi a grande oportunidade! Havia um braço-de-ferro entre o movimento estudantil e as forças de repressão. O resultado, todos conhecemos: gente ferida, inúmeras prisões, mortes, e a direita reacionária arrumando uma grande briga com a Igreja Católica. Na noite da invasão, depois de algumas borrachadas, fui liberado. Cheguei em casa e tratei de ligar para o Dimas [Ramalho]. Eu precisava informar alguns nomes de amigos da [faculdade de Direito] São Francisco que eu vi sendo presos. Para nossa surpresa, enquanto falávamos ao telefone, entra uma voz na linha e diz: “Que conversa é essa, seus comunistas?!”. Assim mesmo, continuamos, era importante saber quem havia sido preso. Hoje, sinto muito pelo que alguns fizeram com a UNE [União Nacional dos Estudantes], que quase perdeu sua função. Mas tenho fé que a UNE reencontrará seu papel de luta, não só em defesa dos estudantes como na construção de um Brasil melhor!

TM: Qual sua relação com o samba e, especificamente, com a Viradouro, no Rio, e com o Batata Doce, em Taquaritinga?

Óxito: Minha relação com o samba nasceu muito cedo. Meu pai era apaixonado por carnaval e, juntos, ouvíamos – no seu rádio “ABC” –, durante os três meses que antecediam a folia, o programa do Joel de Almeida, conhecido como “Magrinho Elétrico”. Quando o carnaval chegava, eu já conhecia todo um repertório de marchinhas: as novas e as dos antigos carnavais. Era uma delícia, era mais que isso: um verdadeiro encontro, pois lá estavam pai e filho a compartilhar as mesmas emoções! O rádio, veículo mágico naquela época, me fez conhecer vários sambistas, da nova e da velha geração: Wilson Batista, Noel Rosa, Lamartine Babo, Haroldo Lobo, João R. Kelly, João de Barro, Zé Kéti e muitos outros. Por falar em Zé Kéti – antes “Zé Quieto”, apelido dado por sua mãe –, temos aí um dos maiores compositores de todos os tempos: “A Voz do Morro”, “Acender as Velas”, “Máscara Negra”, “Diz que fui por aí”, etc. Tudo isso, sem dúvida, me envolveu nessa festa que outrora me parecia bem mais popular e que, de certa forma, me encaminhou para levar à minha terra uma forma de carnaval avesso ao estabelecido, do tipo “não põe corda no meu bloco” (como diz Aldir Blanc). Nascia, assim, o Batata Doce: péssima bateria, fantasia roxa, sem horário para desfilar – entrava no corso a hora que bem entendesse – e mais, qualquer pessoa que chegasse – vestindo roxo – tinha ingresso garantido! Já com a Viradouro do Rio, a coisa foi diferente. O Edu [Velocci] conhecia um compositor da escola que nos convidou para participar do concurso de sambas-enredos. Apesar de toda estrutura e sofisticação que mantêm o carnaval do Rio, tive a oportunidade de conhecer quem, na verdade, faz o carnaval das escolas de samba. Uma coisa é certa: sem a comunidade e seus verdadeiros compositores, bateria, passistas, e a alegria dentro da quadra, não existe carnaval! Aquilo que a televisão vende é um outro espetáculo. Faz mais de cinco anos que participo do carnaval carioca, anos de muita amizade, não só na Viradouro como também na Porto da Pedra, Cubango, Vila Isabel, pela cidade de Niterói, enfim. No Brasil, tem gente boa em todo lugar!

TM: A crise econômica mundial, iniciada em 2008, ainda aflige os EUA e ameaça a Europa. O que esperar para os próximos anos? O Brasil será prejudicado ou podemos estar diante de uma oportunidade de afirmação internacional?

Óxito: Não tenho dúvida de que a crise que atingiu os EUA, em 2008, ainda continua fazendo estragos não só naquele país, mas no mundo todo. Estamos conscientes de que a economia americana é das maiores do planeta, seria estupidez imaginarmos o contrário. Estamos, também, acompanhando uma recuperação, ainda que sutil, da economia norte-americana, porém não devemos esquecer que os Estados Unidos têm que resolver seus desequilíbrios fiscais, esta é uma questão essencial. Sabemos que o FED [Banco Central estadunidense] tentou de todas as formas evitar a quebra do banco Lehman Brothers, só que as questões políticas não se resolvem do dia pra noite e, além disso, outros interesses se impõem. Dessa forma, a falta de sintonia entre mercado e política acabou por dar uma dimensão catastrófica à crise financeira global. Sinto a mesma sensação quando começo a olhar para o problema europeu. Há equívocos evidentes na criação do euro. Quando o projeto começou, no pós-guerra, ninguém esperava que chegasse tão longe com a criação de uma moeda única. Houve falhas nesse processo, podemos citar o exemplo da Itália, onde o Banco Central não tem poderes para emitir euros para comprar títulos da dívida italiana. O único que pode fazer isso é o BCE [Banco Central Europeu] e isso é, sem dúvida, um absurdo, pois a França e a Alemanha querem que a Itália coloque em prática políticas fiscais rigorosas antes de aprovar as medidas que garantam a liquidez dos títulos italianos. Tudo se resume em criar liquidez inquestionável para as dívidas italiana e espanhola. Não há outra saída. É claro que devemos estabelecer critérios e fiscalizar, mas há um problema imediato, não está em jogo somente as instituições que estão expostas ao risco europeu, numa situação de catástrofe financeira, pois todos seremos afetados. Quanto ao Brasil, acho que não devemos perder a oportunidade de investir o máximo que pudermos em infra-estrutura. Precisamos avançar nesse ponto, não adianta termos um mercado interno surpreendente se não baratearmos os custos da produção. Toda empresa com ambição global está olhando para o Brasil. É preciso estimular o investimento em infra-estrutura e Educação.

TM: Como o mercado financeiro pode contribuir com o setor produtivo?

Óxito: Bem, não consigo olhar o setor produtivo sem a contribuição do mercado financeiro. É impossível o desenvolvimento produtivo sem o fomento de capital por parte do mercado. Isso pode se dar de diversas maneiras: via bolsa de valores, emissão de papéis, financiamento de longo prazo, etc. É óbvio que temos inúmeras distorções a serem corrigidas, temos uma das maiores taxa de juros do planeta e nos falta uma política de exigibilidade por parte do governo junto aos bancos privados.

TM: O que que a Suíça tem?

Óxito: A Suíça é um país com dimensões geográficas pequenas e está extremamente bem localizada, com seus 7,5 milhões de habitantes. Possui quatro idiomas: Alemão, Francês, Italiano e Romanche. A rede de ensino é gratuita e eficaz; há um sistema de transporte coletivo – preciso – em toda sua extensão; enfim, um país onde quase tudo funciona. A Suíça detém ainda a “chave do cofre” de grande parcela da riqueza do planeta, não participa da zona do euro e tem sua própria moeda, o franco-suíço [cujo valor é equivalente ao dólar, na cotação de dezembro/2011]. O sistema político está muito voltado à direita. Além disso, possui uma indústria farmacêutica forte e sua indústria turística é muito eficiente, conseguindo, assim, fazer com que entre mais dinheiro no país.
Só para finalizar: “O passado é lição para se meditar, não para reproduzir”. Mário de Andrade, Prefácio Interessantíssimo, p. 33...

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